Ali é possível abraçar a cidade, desde a Baía da Guanabara, com os prédios do Centro, o mar, a montanha, o Pão de Açúcar, o Cristo… Os outros acessos não permitem esta visão, condenados à tarefa de ser caminho, não chegada. No meu percurso, é possível divisar de certa forma história e paisagem, e todos os seus contrastes. Não é uma vista imutável. Faz tempo não há tantos navios no porto e uma roda gigante se destaca mais que o Mosteiro de São Bento. Marcas do tempo. Mas lamento algumas perdas. Já não se vê o morro da Providência, a Gamboa e a Saúde, e as casas que colorem o imaginário da cidade, onde surgiu o termo favela. A reforma do porto mudou a paisagem, e o que se vê hoje é um amontoado de prédios sem muitos atrativos, um paredão que bloqueia a vista, como as placas de metal plantadas pela Maré na chegada do Galeão e da Linha Vermelha. Não parece o Rio, parece Guarulhos. Prédios enormes, impessoais, torres de 20 a 25 andares, conjuntos com 500, 700 ou mil apartamentos, na maior parte de 24 a 50 metros quadrados. Numa cidade que, segundo o Censo, vem perdendo população e tem milhares de imóveis fechados, parece mais uma demanda do mercado imobiliário do que da cidade. Talvez esteja me tornando saudosista. Mas outras capitais que se valeram da modernização de suas regiões portuárias construíram projetos mais interessantes: Porto Madero, Chelsea, Barrio 22, Parque das Nações, para citar alguns. Que cidade estamos construindo na região do Porto? Como ela se comunica com o Rio, além do CEP comum? Sempre se poderá argumentar que a favela não é uma visão bonita, que expõe nosso fracasso na solução dos problemas sociais. Mas ela faz parte da vida da cidade, nasceu ali, não foi resultado de um plano urbanístico. Num tempo em que a economia criativa valoriza a cultura, a identidade e a história, será que o melhor plano para o Rio é parecer com Guarulhos? O risco, quando a cidade nos escapa, é o Rio se tornar um retrato na parede.

Foto: Divulgação

Luiz Cláudio Latgé

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *